Transcendence (o filme e conexões com Westworld)

Será o futuro?

Esses dias tive a oportunidade de assistir a um filme que queria ver faz tempo.
                O papo hoje é sobre inteligência artificial. Só pra começar.
                O fato da máquina poder ter sensações e pensar, intriga há muito tempo. O sucesso de séries como Westworld, pra dar um exemplo, comprova essa idéia. O sonho do personagem de Anthony Hopkins (que tô torcendo que ele ganhe o emmy), de criar e manipular vida como Deus é um dos mais acalentados da humanidade.
                Transcendence, do diretor Wally Fisher e com um elenco estrelado (nomes como Cillian Murphy, o espantalho; Paul Bettany, o visão dos vingadores e Morgan Freeman, além de Johnny Depp) toca na ferida com um roteiro dramático que realmente no início, prende o espectador.
                A real é que aqui não há guerras, ou uma vingança por maus tratos (como em matrix), a inteligência artificial é uma possibilidade, que no início e na teoria (como sempre) será usada para o bem. O dr. Craster (Depp) lidera as experiências, e é dono de uma mente genial porém como todos os gênios, não vê os perigos de suas experiências. Ao ser perguntado se queria criar ou recriar Deus, Craster responde sem hesitar que esse era o objetivo.
                E nesse ponto a série se aproxima bastante das criações do dr. Ford de Westworld. O genial personagem de Hopkins fala sempre que a criação divina é algo criado por uma máquina mais poderosa: um cérebro. Visto por esse paradigma, o que acontece depois com o dr. Craster é compreensível, ao sair da palestra, ele é atingido pelo ataque de um terrorista fundamentalista, que para garantir o serviço, atira nele com uma arma exposta a forte radiação. Isso depois que outro terrorista destrói a outra equipe de cientistas que também estavam no projeto.
                Como sempre e pra variar, depois do mal ser feito, o governo resolve agir. E põem um agente do FBI para cuidar da segurança dos cientistas restantes. Porém já era tarde, e descobrem que o dr. Craster só tinha mais um mês de vida ou menos. Por ser casado, resolve ficar no último lugar que não tinha ligação com a tecnologia, seu sítio, que tinha até proteção contra ondas de celular (ai galera dos presídios, cobre impede qualquer comunicação sabiam), afinal o cara passou a vida inteira atrás de um pc, certo? Errado.
                Depois de demonstrar suas criações (uma IA criada a partir de um cérebro de um macaco), a esposa de Craster e seu melhor amigo (Bettany) resolvem não deixar que o trabalho de anos do seu marido caia no esquecimento. E resolve conectá-lo a máquina, para que o pensamento dele vivesse através da IA. Engenhoso, perigoso, mas quando se mistura sentimento na parada, tudo ganha sentido, e aos poucos vão conectando o personagem de Depp a entidade conhecida como PINN (fico devendo o significado) com frases e pensamentos do cara.
                Mais conexões com Westworld. Ford criou um mundo de fantasia virtual para milionários, uma espécie de parque de diversões para adultos viverem suas últimas fantasias com putas, violência, enfim, tudo que cerca o velho oeste. Em Transcendence rola uma parada Ghost in the Shell (outro que tá na lista pra assistir) e simplesmente ele desliga, o amigo e sua esposa pensam que ele passou dessa pra melhor. Mas sua mente foi parar dentro da máquina, na internet.
                E ai tá o ponto onde as histórias convergem. Em Westworld vemos uma revolução das máquinas de dentro pra fora, como um dr. Moreau, Ford resolve dar consciência as suas criações através de criações próprias e da aleatoriedade de circunstâncias, fazendo que elas ficassem melhores e mais espertas a cada reboot. Craster ao saber que algumas pessoas poderiam querer simplesmente desligá-lo, resolve virar uma skynet e começa usar o seu poder para o seu próprio fim, com a ajuda de sua esposa que entrou de cabeça junto com ele.
                Mais um ponto de comparação com a série da HBO. Ford enfrenta todo o poder de uma empresa, a Delos, que é “dona” do parque, por controle acionário, mas Ford não é um cara bonzinho (e ai tá a graça desse personagem) e manipula nas sombras, usa suas criações e envolve pessoas com um labirinto indígena (uma lenda, que deixa as pessoas loucas) e com isso atinge a Delos de dentro pra fora, envolvendo todos em seu jogo. Em Transcendence rola algo parecido.
                Depois de angariar recursos após se tornar um fantasma na net, Craster descobre uma propriedade em meio ao deserto (uma cidade bem terra de ninguém) e cria uma forma de usar energia limpa (um campo dedicado a energia solar) para manter um futuro Data Center. Até ai tranquilo. Afinal como IA o cara poderia entrar onde quisesse, seja Casa da Moeda, Tesouro, ou patrimônio de especuladores e banqueiros, por exemplo (acha absurdo? Imagine você pensando com a velocidade de bits e bytes, pensando em código binário no qual você pode conter qualquer coisa? Sacou as possibilidades?).
                Mas ai tá o pulo do gato (ou do cão) do filme. O próprio título já diz, transcendência, ou seja passar de um estado...para outro. Fundindo inteligência artificial com nanotecnologia chegamos onde o autor e o roteirista do filme queriam chegar (e é ai que os problemas começam). Mas pra continuar o termo de comparação, em Westworld os androides de Ford, desejam ou começam a criar esse desejo, de ser como nós, a partir de muitas e muitas reutilizações, e aos poucos quem assistiu vai vendo que esse era mesmo o sonho do velho (SPOILERS).
                Pois é. Mas no filme temos uma organização terrorista que defende o “direito humano de ser as únicas criaturas de deus”, sim, é por ai. E ai que começa o abismo que separa as produções. Westworld tem a batuta de Jonathan Nolan, irmão de Chris Nolan da trilogia do Cavaleiro das Trevas (que assombra Ben Afleck, seu Batman, a Warner e a atual DC dos cinemas), um roteirista visionário que sabe bem como construir um thriller (Westworld chegou a igualar na primeira temporada o êxito de Game of Thrones por exemplo e trouxe o público de sci-fi em massa para a HBO). Wally Fisher e seu roteirista não são Nolan e ai ficamos como a seleção brasileira antes de um técnico como Tite (corinthianos ou não, temos que reconhecer), um grande elenco, mas que funciona com atuações individuais, depende da genialidade de seus atletas, mas sem conceito de time.
                E ai que aparece Paul Bettany. Ele e Cillian Murphy, sempre competente, mesmo em papéis menores, seguram o filme, junto com Depp. Ao ser preso pelos tais terroristas que resolvem prendê-lo para que crie uma forma de deter o antigo amigo para que ele não “degrida o progresso da humanidade” (não é sacanagem, é isso mesmo) e que ganha o apoio do messiânico Morgan Freeman (que é AMIGO E MENTOR do personagem de Depp). O personagem de Bettany faz no início, o que qualquer um faria, diz não aos malucos. A situação só vira lá na frente, quando Depp (uma IA com sentimentos humanos) resolve levar a cabo sua idéia de ajudar as pessoas e a humanidade. E ah, achar uma maneira de voltar para sua mulher. Algo de errado nisso?
                O roteirista do filme maluco beleza acha que sim. E exagera muitas ações de Depp para meio que transformá-lo em um vilão, sendo que o cara era quase um Jesus cibernético (fazia cego ver, mudo falar, coxo andar e ainda os caras eram invulneráveis graças a nanotecnologia), mas mesmo assim os fundamentalistas de Freeman conseguem embaralhar a mente da esposa de Depp (vou ficar devendo o nome dela, mas ótima atriz também) que passa a ir contra o maridão e suas criações, desencadeando no ato final.
                E ai vem minha opinião final e o fim do filme, que infelizmente termina com aquele gosto de “era pra ser assim mesmo?” que filmes geniais como Substitutos, O Homem Bicentenário, Hacker(s), os Terminator (com exceção da bosta do Genesys) e até Eu, Robô (com Will Smith e tudo) não te deixam. Não vou dar o final do filme, vou terminar com a minha opinião. Apesar da atuação convincente de Bettany (o cara não pegou o robô mais humanista da Marvel nas telas por acaso) que cria um vírus capaz de parar o ímpeto dos funcionários de Craster e de um Romeu e Julieta, que é bonito reconheço, mas forçado entre Depp e a protagonista do filme, o final é fraco e acaba por pegar emprestado um bordão bem conhecido: que a humanidade teme aquilo que não entende, mas que na verdade funciona assim, “a maioria da humanidade, teme sim, aquilo que a sua mente religiosa não entende” e que não estaria preparada para a revolução (que até está no título nacional) que Craster pretendia (e qualquer semelhança com os mutantes não é mera coincidência). Simples e abrupto demais para um filme com tantas e boas idéias.

p.s.: Semana que vem galera vamos mudar de ares. Trago a vocês a análise do engraçadíssimo Beelzebub, anime de 2011, dos criadores de Ikkitousen, que brinca com delinquência juvenil, paternidade precoce e seus desafios além de um elenco afiado e impagável, que utiliza de tudo (até demônios e magia entram no meio rs) para falar de um tema sério kkkk, não percam.


p.s.2: É lógico que também farei a minha análise de Westworld, podem esperar.

Vc não vai escapar, sr. Ford


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