Crônica de um pai de um garoto especial
Meu filho vai fazer seis anos.
Todos os dias eu e ele travamos
uma guerra com um objeto inanimado: a privada.
Por
ser especial, meu filho não aprende as coisas como os outros garotos. Pra
melhorar o quadro, ele ainda é surdo, o que dificulta as coisas ainda mais.
Ser
pai de uma criança especial no nosso país é assumir uma missão, pro resto da
vida. E com isso ter de se adaptar a uma sociedade e a um governo que pouco ou
nada fazem, para facilitar a vida dessas pobres crianças, que não pediram pra
nascer.
A
primeira barreira é reconhecer o problema. Faltam órgãos capazes, competentes,
principalmente se você for caracterizado da população de baixa renda.
Acreditem, só saber já é difícil. E como vivemos num país que tá bem próximo da
idade média científica, onde tudo (tudo mesmo) é colocado como superstição e
tem um motivo religioso (seja qual o for), até você cair na real e procurar
alguma instituição particular, desce um aguaceiro.
No
caso dele, foi meu pai que descobriu o que estava errado. Eu relutei em
compreender, mas após um exame da audição dele, em uma entidade chamada CEAL –
Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni aqui em Brasília,
descobrimos uma parte da verdade. Nisso ele já tinha três anos de idade, e quase
na idade limite (a idade limite é 4 anos) para um futuro implante auricular.
Mas ainda não era tudo.
Meu
filho sempre foi muito agitado. Muito mesmo. E depois de passar um bom tempo
com fonoaudiólogos, logo foi se descobrindo que algo mais ali estava fora do
padrão. Ele tinha uma forte resistência a autoridade, até mesmo para as coisas
mais simples, mas mesmo assim tínhamos esperança, e o tratamento seguiu, sendo
encaminhado para um programa de implante, que era localizado no Hospital
Universitário de Brasília, o HUB. Mas logo a psicóloga do projeto, percebeu que
não seria possível. E recomendou que ele fosse encaminhado ao ensino de libras.
O que até hoje não encontramos nenhuma instituição que o aceitasse.
O
CEAL só lidava com crianças com deficiência auditiva que usasse aparelho, por
isso encaminharam meu filho a uma instituição no Cruzeiro chamada ABRACI (não
sei o que significa) que deveria cuidar de crianças especiais. O que já ficou
difícil. Eu moro em uma cidade de periferia nos arredores de Brasília, e aqui
as distâncias são longas. Era apenas uma consulta por semana, mas sem o cuidado
dado pelo CEAL, e sinceramente, eles não poderiam ter o mesmo cuidado, afinal
era bem menor e sustentada basicamente por políticos (tinha uma mensalidade,
mas imagino que mal pagava o aluguel, que era dentro de um clube). A consulta
era realizada por psicólogos, e por esforço deles, realmente muitas dicas foram
dadas, que fizeram meu filho melhorar muito.
E
nesse meio tempo, temos que lidar com as condições, o estado dele e o
preconceito (aliás lido com isso até hoje). Passamos por uma fase de transição,
devido a dois fatores, a atual crise e o fato de quem é especial, merece uma
atenção especial. Com dificuldade, retirei o meu filho de uma creche (por não
atender mais as necessidades dele e sim, pelo dinheiro) e atualmente estou o
educando durante o dia. Também estou procurando uma atividade auxiliar fora a
escola (ele está matriculado e apesar das limitações, interage muito bem com as
outras crianças), penso em algo ligado ao esporte por exemplo. Tenho que pensar
muito por que ele ainda aos seis anos, não tem a noção exata dos perigos
existentes nas ruas. Falo de altura, carros, pessoas estranhas, etc e etc.
Para
terminar, em uma das conversas que tive com a mãe dele recentemente, minha ex,
ela me disse: “Ele é um garoto de sorte, pois algumas crianças, se encontram em
situação muito pior do que a dele”. Dadas as condições que vi alguns garotos
com condições especiais, sou obrigado a concordar com isso.
Resumo da ópera:
Após
a saída do meu filho, o CEAL começou a aceitar crianças com necessidades
especiais, sendo mais um raio de esperança nessa escuridão que aflige os pais
que possuem filhos nessas condições.
Como
eu disse, o governo pouco ou nada faz para ajudar as pessoas que se encontram
nessa situação. Sobra preconceito e apesar disso a imagem dessas pessoas ainda
é utilizada nos chamados “exemplos de superação” (as olimpíadas estão ai, e
ironicamente os atletas especiais são um orgulho nacional).
Existem
outras instituições, mas manter crianças com essas condições se torna caro
(principalmente por causa dos profissionais que as mantém) e faz com que esses
tratamentos tenham um custo muito alto, que a população de baixa renda
dificilmente poderia pagar.
E hoje a missão continua. Quem
sabe nós teremos sucesso.
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